Dentro de sete anos, a Dívida Pública de Portugal estará em 70% do PIB [[1]].
Quem o diz, é o Governador do Banco de Portugal. Que é também um dos governadores do Banco Central Europeu [[2]].
Em 2022, a Dívida Pública de Portugal encerrou a 113,8% do PIB. É um facto que tem vindo a descer após o pico de 2020, quando chegou aos 135%. E é também um facto que a maior carga fiscal de sempre é a responsável por essa diminuição, ajudada pelos juros extremamente baixos causados pela política do Banco Central Europeu. Ora, para reduzirmos de 113,8% para 70% em sete anos, precisamos de reduzir 6,3 p.p. por ano. Fácil demais, pois nos últimos dois anos reduzimos à média de 10,5 p.p. por ano.
É uma conta que se faz de cabeça, ou até com uma daquelas calculadoras da loja dos trezentos. Que Mário Centeno tinha mesmo à mão quando estava a beber uns copos com os amigos.
Mas o Mário Centeno é o Governador do Banco de Portugal, é um dos governadores do Banco Central Europeu e as declarações foram feitas durante uma conferência na Universidade dos Açores. Vamos deixar os copos de lado e olhar a sério para o assunto.
Primeira reflexão:
Dois meses antes de Mário Centeno proferir estas afirmações, o Governo de Portugal publicou o “Programa de Estabilidade 2023-2027” onde são realizadas várias projecções macroeconómicas. Após esclarecer os vários pressupostos relativos aos cálculos, apresenta na página 55 a previsão do peso da Dívida Pública no PIB para daqui a sete anos: 86%; e para daqui a 15 anos: 73,7%. É o próprio Governo que reconhece que nem daqui a 15 anos a Dívida Pública estará nos 70% do PIB!
Segunda reflexão:
Quais as condições necessárias para que a Dívida Pública atinja 70% do PIB dentro de sete anos? Simplificando, a Dívida Pública de um ano é igual à Dívida Pública do ano anterior à qual vamos subtrair a parte que pagámos. O peso no PIB até pode baixar mesmo que a Dívida Pública aumente, desde que o PIB aumente ainda mais. Foi exactamente isso que aconteceu nos últimos dois anos: a Dívida Pública aumentou, mas o PIB aumentou mais, em grande parte por causa da inflação. Imaginemos então o seguinte cenário para os próximos sete anos:
– aumento real do PIB, receitas e despesas do Estado: 1,8% (média do PIB no séc. XXI foi 0,8%)
– inflação: 2,0% (objectivo do BCE)
– taxa de juro da dívida pública: 4,6% (tal como verificado entre 2000-2009)
Consequência: o peso da Dívida Pública no PIB será de 97,5% daqui a sete anos.
Como poderemos então atingir os 70%? Com um perfeito alinhamento astral:
– PIB cresce à taxa de anual de 3% (última vez foi nos anos ‘90)
– Receitas aumentam de 45% para 47% do PIB
– Despesas diminuem de 45% para 43% do PIB
Estamos dispostos a que a maior carga fiscal de sempre continue a aumentar para valores nunca vistos? Estamos dispostos a ter cada vez menos oferta de serviços de saúde, educação e segurança? Vamos voltar aos anos dourados do século XX?
Ou as afirmações de Mário Centeno não passaram de um ensaio de astrologia?
[[1]] Mário Centeno ao Jornal de Negócios de 9 de Junho de 2023.
[[1]] Membro do Conselho de Governadores
Por Sérgio Gomes (Membro da Iniciativa Liberal)
Por Mário Queirós (Dirigente da Iniciativa Liberal e Professor do Ensino Superior)