O País dos 3 0’s

Com quase trinta anos de existência, costumo ter dificuldades, por vezes, em lembrar-me qual foi o meu almoço do dia anterior, ou como decorreu a conversa que tive com um amigo, ao telefone. Mas é com uma estranha e natural eficiência que me recordo, com os mais ínfimos detalhes, a ida ao futebol com o meu pai, pessoa que me apadrinhou no processo desde o primeiro dia.

As viagens de carro e as longas conversas, as paragens nas estações de serviço onde encontrávamos conterrâneos com as mesmas cores das camisolas, os amigos rivais, os lanches de salame para comer pelo caminho. É também com alguma ternura que revivo as longas filas nos torniquetes, à procura do barulho que ecoava literalmente ao fundo do túnel, com um pedaço de relva ao horizonte que iluminava os olhos de qualquer criança. Os cânticos, as bandeiras, o fumo, os impropérios que não se podiam repetir em casa, o cheiro a cerveja e tabaco, tudo isso eram caraterísticas de uma coisa que significava muito mais do que ir simplesmente à bola. Tratava-se de um universo muito próprio, onde laços de família, de amizade e de velhos encontros que se mesclavam durante duas horas, até ao momento do regresso à vida real e ao nosso quotidiano.

Agora mais velho, a paixão manteve-se, mas o hábito perdeu-se. Perdeu-se fundamentalmente em preços exorbitantes, baseados em horários impraticáveis e apenas focados nos direitos desportivos dos canais de televisão, onde sentarmo-nos sofá fica infinitamente menos dispendioso. E não bastando o cenário fúnebre que vai abraçando toda a vertente das modalidades desportivas em Portugal, com estádios vazios e casos de corrupção a assombrar décadas do futebol, vemos um Governo somente focado em tornar obsoleto o escasso público que ainda se sente vontade de se sentar na cadeira para apoiar o seu clube.

Com este Governo, assistimos à criação um cartão de adepto já extinto – graças à Iniciativa Liberal – mas que até hoje ainda provoca uma bancada vazia em praticamente cada estádio. Vemos grupos organizados espalhados pelos estádios (o que acaba provocar ainda mais insegurança) exatamente por essa razão. Vemos o apoio dado pelos clubes a ser literalmente criminalizado, e mecanismos de combate à violência no desporto, que em vez de os combater, combate precisamente quem quer ir ao estádio. Paga-se o justo pelo pecador, dirá o leitor? Não. Neste pequeno nosso mundo, paga-se sim mas apenas para ao estádio. E nada mais.

E como combater isso? Segundo o Partido Socialista, combate-se aumentando ainda mais as penas dos delitos cometidos em recintos desportivos, atribuindo-lhes o mesmo peso criminal que outros crimes medonhos na nossa sociedade possuem, como aliciamento sexual de menores. Vemos hoje os clubes a serem responsáveis judiciais por aquilo que os seus adeptos fazem, alimentando um clima de vigilância e de estranha paternalidade numa ligação que deveria ser saudável e convite ao desporto. Curiosamente, as únicas bancadas que hoje ainda ficam lotadas nos jogos, são as bancadas da tribuna, onde precisamente se senta quem tem delegado estas leis e esta conduta de total erradicação de um espetáculo que já se encontrava irremediavelmente ligado às máquinas.

Ainda antes da minha existência, e da geração que me acompanha, costumava-se designar Portugal como o país dos 3 F’s: Futebol, Fado e Fátima. Não sei se, como muitos, voltarei ao estádio com o meu Pai, mas de certeza que ele irá concordar comigo quando comentar com ele que vivemos hoje no país dos 0’s: O país do zero futebol, zero adeptos, e de zero espetáculo.
P.S. Há muitos problemas neste país bem mais importantes que o espetáculo desportivo, infelizmente. Mas não deveria ser essa a razão para estragar, numa morte lenta e dolorosa transmitida pela SportTV, o pouco de bom que ainda temos.

 

Fernando Costa,

Gestor de Comunicação e Representante da Juventude da Iniciativa Liberal de Braga

in Correio do Minho

28-Fec-2023

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