No dia 30 de junho de 1779, Braga assistiu ao mais assustador temporal da sua história. Apesar de ainda distante, a nível temporal, das discussões sobre as alterações climáticas e não obstante o período veranil, uma tempestade devastadora atravessou a cidade de Braga nesse dia, destruindo quase de forma instantânea os terrenos e as casas de muitos habitantes, muitos deles inseridos nas lides agrícolas. As consequências desta catástrofe natural foram terríveis e prolongadas, com um forte caudal do Rio Este que arrastou moinhos, animais, carros, e dissipou potenciais décadas de trabalho na cidade.
De facto, cheias na cidade de Braga sempre aconteceram desde então, e mais de dois séculos depois, são raros os anos em que não nos deparamos com o absoluto caos em muitos locais de acesso da cidade, com ruas, carros e garagens inundadas, onde as luzes dos veículos dos bombeiros e da Proteção Civil que nos encandeiam até ao tardio momento em que conseguimos finalmente chegar a casa. E após uma grossa chuva (in)esperada, a luminosa “Cidade Barroca”, que alberga mais de 150 mil habitantes, passa rapidamente a uma extensa banheira cinzenta onde árvores caídas quase parecem ser, por vezes, o único trajeto possível para nos deslocarmos de um local para o outro.
A verdade é que só nos últimos cinco anos foram realizadas mais de 2000 obras de serviços municipais no âmbito de problemas pluviais, onde a alteração do sistema de drenagem tem sido a estratégia principal para tentar resolver a questão das folhas molhadas que tendem a entupir o sistema de escoamento. No entanto, a circulação em pontos fulcrais da cidade como o túnel das piscinas, o nó de Infias e o viaduto da rodovia são constantemente interrompidas, e o próprio Rio Este e as suas margens continuam a trazer inequívocos constrangimentos aquando da sua subida de nível. As deficiências no escoamento das águas são, portanto, um problema cíclico de uma região que teve um planeamento urbanístico deficitário e que hoje vê os seus habitantes mais habituados às cheias, que provavelmente os nossos homólogos camponeses no ano de 1779. E num período onde o inverso se avizinha, e a chuva nos volta a acompanhar na rotina diária, as previsões para a resolução deste crónico problema são manifestamente escassas.
Braga tem crescido de forma inegável e precisa cada vez mais de uma estrutura de circulação e de drenagem adequado ao rio que o atravessa, nem que esse processo leve os mesmos anos que o mau planeamento urbanístico levou a que hoje sejamos o verdadeiro “penico do céu”, no seu formato mais hipérbole. Pois caso não existam alterações, poderemos um dia correr o risco de voltarmos a 30 de junho de 1779, mas numa versão contemporânea em que trocamos os instrumentos agrícolas pelas televisões modernas.
Fernando Pessoa escreveu uma vez num poema que quando chove, “há silêncio, e não há céu” que ele sinta. Declarações que me fazem acreditar que muito provavelmente nunca terá passado por Braga, num dia de Inverno.
Fernando Costa,
Gestor de Comunicação e Representante da Juventude da Iniciativa Liberal de Braga
in Correio do Minho,
25-Out-2022