Euro ou escudo?

Numa Europa que pretende fomentar a concorrência e o livre mercado, existem graves entraves à nossa liberdade de escolha.

Imagina que vês o preço de um cappuccino no ecrã exterior do café. Entras, fazes o pedido, mas quando o empregado te traz a conta, o valor já duplicou. E não se tratou de teres entrado na transição da happy hour, mas sim de uma hiperinflação. Estes valores estão exagerados, mas há exemplos de duplicação dos preços em 36 ou 24 horas, ou até menos, como no Zimbabué ou na Hungria. Até a Alemanha chegou a registar uma duplicação de preços em menos de quatro dias.

Mas o mais curioso disto tudo é que, quando estes países registaram estas inflações, outros países tinham os preços controlados. Como foi isso possível? Como foi possível um cappuccino não aumentar de preço em francos franceses, mas aumentar em marcos alemães? Se nessa altura estivéssemos na fronteira entre a França e a Alemanha, será que aceitavam francos pelo cappuccino em vez de marcos, e assim conseguíamos evitar a inflação? Geralmente, nas zonas fronteiriças, os estabelecimentos aceitam a moeda do país vizinho, e portanto, sim, conseguíamos evitar a inflação se pagássemos em francos.

– Então, está o problema resolvido! Se a moeda em que estamos habituados a pagar está a perder valor por causa da inflação, basta-nos escolher outra moeda para os nossos gastos. Certo?

– Certo. Se nos deixarem!

Numa Europa que pretende fomentar a concorrência e o livre mercado, existem graves entraves à nossa liberdade de escolha. Os salários dos funcionários públicos são forçosamente denominados em euros; tal como todas as prestações que o Estado paga às pessoas (pensões, subsídios…). Todos os contratos com o Estado também são estabelecidos em euros. Grandes constrangimentos se aplicam também aos contratos de trabalho particulares com remunerações próximas do salário mínimo, pois a conversão para euros não poderá nunca vir a originar um valor inferior a esse salário mínimo.

– Não seria simples se pudéssemos escolher e evitar a inflação que vamos viver nos próximos tempos?

– Como assim? Andarmos com euros, libras e francos no bolso?

– Exactamente. Ou não. Só se quiseres.

– E não é confuso?

– Se achares que é confuso, esqueces que existem outras opções e fazes a tua vida só com euros. Mas há muito exemplos de utilização de duas moedas em simultâneo num mesmo espaço geográfico.

Como em algumas economias sul-americanas em que as pessoas chegaram a utilizar dólares nas transacções entre elas como forma de fugir à perda de valor (inflação) da moeda “oficial”. Ou como acontece hoje em dia em Cabo Verde, principalmente na Ilha do Sal, onde as pessoas andam com notas de euros e de escudos nos bolsos, e onde é natural todos os preços serem apresentados em euros e em escudos, e mesmo quando são apresentados numa única moeda, imediatamente é feita a conversão.

Os emigrantes que trabalham numa zona que utiliza uma moeda diferente da do seu país de origem, podem levar algum tempo a adaptar-se às denominações na nova moeda, mas a verdade é que todos se adaptaram a lidar com duas moedas diferentes. Se em vez de duas, fossem três, de certeza que as pessoas também conseguiriam lidar com a situação. Mas o mais importante é que ninguém seja obrigado a usar qualquer dessas moedas, ou seja, deveria estar em vigor a regra já utilizada na transição para o euro: não obrigação e não proibição (1).

– E qual a vantagem?

– A vantagem vimos logo no início: podermos escolher a moeda que nos dê maiores garantias de estabilidade de preços, se quisermos.

– E quais as consequências?

– Está fácil de perceber. Se a autoridade monetária de uma moeda, por exemplo, o Banco Central Europeu, souber que ninguém vai querer utilizar euros, se o euro estiver a perder valor, já irá ter muito mais cuidado na administração desta moeda.

– E quem pode sair prejudicado?

– Bem, aqui chegados, já percebemos quem vai perder o poder que actualmente detém sobre todos nós.

Não, isto não é inventar a roda. A roda já foi inventada e já foi experimentada. Sempre que um banco central abusa dos seus clientes – todos nós – acabamos por encontrar alternativas para realizar as nossas transacções, seja cigarros, seja a moeda de outro país. Para além disso, a questão da livre circulação de várias moedas numa mesma economia é um tema defendido por vários autores há muito tempo (2).

Euro ou escudo? Ambos!

 (1) Na realidade, no período de transição do Escudo para o Euro, não coexistiram duas moedas diferentes, mas sim duas denominações diferentes de uma mesma moeda. O Euro substituiu o Escudo no dia 1 de Janeiro de 1999, apesar de durante algum tempo os contratos e o entesouramento estarem denominados em escudos.

(2) Milton Friedman, Friedrich Hayek, Murray Rothbard, Lawrence White, Vera Smith, entre outros.

 

Mário Joel Queirós, Docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças,

in O Jornal Economico,  Lynk

25/10/2022

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