Vivemos tempos estranhos.
Com o país (literalmente) a arder, ligo a televisão e observo atentamente – dentro do possível – ao debate do Estado da Nação. Debate que segue, na sua maioria, o nível de argumentação que eu assistia na escola primária, quando se decidia quem iria assumir a asneira feita na sala de aula, nas costas da professora. E tal como na Escola, aqui quem ri por último, também acaba por sair ilibado.
Algo confuso com o ritmo frenético deste particular debate político, abro os jornais. Denoto que a campanha ABCLGBTQIA+ teve início há um mês, na procura de dar a conhecer a gíria linguística referente à comunidade LGBTI+. Uma campanha que tem provocado muitas… reações. E reações às reações das reações, num perverso, mas cansativo loop, mas que já estamos habituados a acompanhar.
Leio considerações de cariz mais transfóbico – e de demonstrativa ignorância – em algumas crónicas, e leio outras pertencentes a uma discussão legítima (na minha opinião) sobre o tema e sobre a potencial eficácia da mesma na discussão de igualdade de género.
Infelizmente, num mundo de extremos, onde todos querem ter razão, quem defende estas referidas e importantes causas (seja de uma forma mais construtiva ou não) passa a ser rapidamente conotado de ditador da língua de Camões, e quem as rebate é automaticamente um xenófobo e um iminente perigo para a sociedade e/ou para a comunidade trans. E a discussão que realmente importa, na procura pela igualdade de género, perde-se uma vez mais no meio dos insultos e dos dedos apontados entre si.
Na esperança de encontrar uma discussão mais abrangente sobre o tema, cometo o erro de pegar no telemóvel e entrar no mundo digital (ingénuo, eu sei). E a discussão é centrada na “apropriação cultural” de quem usou umas… tranças na última semana. Sei que estou a ser redutor na observação, mas a própria discussão muito provavelmente não é menos redutora que este comentário em si. Telemóvel pousado, portanto.
Já desesperado, e arrependido do trajeto que enveredei nos últimos dez minutos, volto à estaca inicial e ligo de novo a televisão, na AR TV. Num período onde o caos na saúde é quase total, e onde mais uma onde de crise económica se torna cada vez mais inevitável, oiço o PS – partido que está atualmente no governo, importa referir – a falar em “causas estruturais” no impedimento de resolução dos problemas do país. PS esse que esteve no poder nos últimos 20 anos, de 27 possíveis.
Vivemos tempos estranhos, de facto. Onde tudo é discussão, mas nada é discutido. E o que efetivamente importa, deixamos lá para o fim.
Tal como esta crónica, infelizmente.
Fernando Costa,
Gestor de Comunicação
in Braga TV Lynk
03-Agt-2022