O António é um amigo daqueles que qualquer pessoa gosta de ter. Sempre bem-disposto, de bem com a vida e com um sorriso maroto no rosto, que mesmo perante a maior das adversidades, está sempre pronto a receber os amigos em sua casa e a partilhar de tudo o que tem. Também faz questão de acompanhar sempre o seu grupo de amigos mais íntimos desde meados dos anos 80, e que de vez em quando lá vai ganhando mais um membro. Até hoje, sempre que alguém precisa de uma
ajuda num momento menos bom, todos se têm mostrado muito solidários, o que tem contribuído cada vez mais para o fortalecimento dos laços entre eles.
No fim de semana passado, tiveram mais um dos habituais convívios, e o centro das atenções foi o Miguel: apareceu com um Porsche totalmente eléctrico, que tinha acabado de comprar por 164 mil euros. E isto aconteceu depois de recentemente o Xavier ter trazido o seu carro novo, um Ferrari de 235 mil euros.
A proposta que o António tem em casa para trocar o seu carro velho por um Citroën de 48 mil euros, está a deixá-lo um pouco frustrado. Ele está feliz pelo nível de vida que os seus amigos podem sustentar, mas gostava muito de poder acompanhá-los.
Como sempre, ele conta com o apoio da sua mulher, a Fernanda, para o ajudar a tomar as decisões mais difíceis.
– De certeza que eles ganham muito mais que os teus 1500 euros por mês, António.
– Sim, o Miguel ganha 4400, e o Xavier, 5500. Mas repara numa coisa, quando eu conheci o Miguel em 1986, eu e ele ganhávamos mais ou menos a mesma coisa, cerca de 120 contos, e o Xavier já ganhava 300 contos. O que eu tenho visto é que o Miguel tem vindo a comprar carros cada vez mais caros e o seu ordenado está quase igual ao do Xavier.
– O que queres dizer com isso, António?
– Não estás a perceber? Se eu fizer o mesmo, daqui a uns anos também poderei estar com um ordenado bem lá em cima.
Para o leitor, esta história parece uma anedota. Infelizmente, não é.
O António Costa, também quer que os portugueses tenham um bom nível de vida, bons ordenados e um bom sistema de assistência social, saúde e educação. Mas os portugueses têm um salário médio de 1500 euros. Michael Higgins e Xavier Bettel, os chefes dos governos da Irlanda e do Luxemburgo, também têm as mesmas preocupações, mas os seus cidadãos ganham 4400 e 5500 euros. Por isso, enquanto que em 2020, Portugal gastou 3500 euros por pessoa em assistência social, saúde e educação, a Irlanda gastou 9200 e o Luxemburgo, 16 800.
Querer aumentar a despesa em assistência social, saúde e educação para o nível da Irlanda, sem primeiro chegarmos aos rendimentos que a Irlanda tem, julgando que esse é o caminho para lá chegar, também parece uma anedota.
Se em 1986, altura da nossa entrada na CEE, o rendimento dos portugueses e dos irlandeses não era muito diferente, o facto de os irlandeses agora ganharem o triplo de nós, ficou a dever-se às políticas adoptadas pelos sucessivos governos liberais que puseram o país a crescer. Não ficou a dever-se à tomada de políticas sociais próprias de países ricos. Mas agora que são ricos, sim, os irlandeses podem tomar políticas sociais próprias de gente rica e gastar quase o triplo do que nós gastamos.
Mas voltemos ao António para sabermos que decisão ele tomou.
– Estás a ver?! Eles podem comprar carros caros porque ganham muito. Para comprares um carro caro como os deles, como é que ias fazer?
– Posso pedir um empréstimo.
– E depois, como é que ias pagar essa dívida?
– Eu já falei com o Zezito sobre isso. Lembras-te dele? Ele disse-me uma coisa que é capaz de ter razão: as dívidas não são para se pagar, são para se ir gerindo.
– O Zezito? Aquele que ainda há dias disseste que é um aldrabão?
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02 Mai 2022