A Dívida Pública de Portugal baixou, em Setembro, pelo terceiro mês consecutivo[1]. E baixou também pelo segundo trimestre consecutivo: depois de ter atingido o máximo de 139% do PIB no primeiro trimestre de 2021, agora está em apenas 131%. São, ou não são, boas notícias?
E não acabam aqui, pois as previsões da Comissão Europeia apontam para que acabemos o ano com uns modestos 128%[2]. Para quem se comprometeu a não ultrapassar 60% do PIB…
Como assim? Para que serve o espartilho dos 60% se quase há 20 anos que não o cumprimos e ainda não fomos à falência? Bem, na realidade, já fomos em 2011, quando atingimos 114%. Só não declarámos bancarrota porque fomos resgatados pela Troica. Mas desde então, ainda não conseguimos ter um défice inferior a esse valor, e despedimo-nos da Troica em 2014 com um défice de 133%. Como nos temos aguentado?
Recordando, o Banco Central Europeu resgatou-nos, comprando dívida do governo português a uma taxa de juro muito abaixo daquela a que o mercado estava disposto a comprar. Mesmo em 2020, o BCE ainda comprou mais de metade da emissão da nossa dívida pública. Por causa disso, o Estado português conseguiu financiar-se à taxa de 0,39% em Novembro último[3]. Mas em Janeiro de 2012, teve que pagar 13,85% pelo financiamento e já estávamos sob resgate da Troica.
Quando o BCE deixar de comprar dívida pública dos Estados membros, os juros a pagar não disparam instantaneamente, dado que grande parte do nosso financiamento é de longo prazo. No início do século, altura em que as nossas contas públicas cumpriam as regras orçamentais[4], a taxa média andava em valores superiores a 5%. Nessa altura, a Euribor a um ano rondava os 5% e actualmente ronda os –0,5%. Tem sido esta a relação entre estas taxas:
Se a Euribor começar a subir, as novas emissões de dívida pública de Portugal, também vão ter uma taxa de juro superior. E se o BCE deixar de comprar dívida pública dos Estados membros, as pessoas que têm dinheiro para emprestar ao Estado português, vão querer cobrar um juro superior (tal como já aconteceu).
Aliás, a questão não é “se”, mas “quando”. Porque isso vai acontecer. E vai acontecer muito brevemente.
Qual o impacto de uma subida da taxa de juro da dívida pública para os valores que já tivemos, quando o BCE não a comprava? E qual o impacto de uma subida da taxa de juro da dívida pública para valores consistentes com um endividamento igual ao que temos actualmente?
Concretizando, o valor dos juros a pagar vai triplicar[5], passando a representar mais de 20% das receitas totais do Orçamento de Estado. Serão mais do que as despesas com o Pessoal e dois terços das despesas com a Segurança Social.
Quando a bomba-relógio rebentar, quem irá ser atingido? Doentes, pensionistas, trabalhadores do Estado…
Não, ainda não vimos este filme. O que se passou na época da Troica foi apenas um trailer.
[1] https://bpstat.bportugal.pt/conteudos/noticias/1477/
[2]https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/economic-performance-and-forecasts/economic-performance-country/portugal/economic-forecast-portugal_en (Dezembro de 2021)
[3] https://bpstat.bportugal.pt/serie/12099464 (Dezembro de 2021)
[4] Dívida pública até 60% e défice orçamental até 3% do PIB.
[5] Juros da dívida pública a 10% e endividamento semelhante ao dos últimos dez anos.
VidaEconomica
31, Dez 2021