Transição

Vivemos numa era marcada por transições. Digital, Verde, Energética – associar qualquer palavra a “transição” produz um chavão moderno. Mas, mais do que palavras, precisamos de reflexões e ações. Reflexões para avaliar e melhorar o que existe. Ações para implementar novas abordagens e concretizar mudanças. Afinal, transição é mudança: não apenas no método, mas no que se faz.

 

O caso

Apesar de anunciado publicamente em 20 de setembro, só tomei conhecimento do programa “Primeiras Páginas” um mês depois, através de um amigo. Nada chegou pelas escolas das minhas filhas ou por outro canal oficial. Isso levanta questões: estará o programa a atingir as pessoas? Será algo para breve, e eu estou a adiantar-me? Ou será que foi bem divulgado e eu simplesmente não reparei? 

De forma resumida, o programa visa estimular hábitos de leitura entre as crianças de Braga, sendo a sua medida principal a oferta de um livro por aniversário das crianças inscritas. O objetivo é meritório, mas há problemas que colocam em dúvida o sucesso da iniciativa.

 

Estratégia

Resolver um problema “atirando” livros para cima dele dificilmente resulta. Em Portugal, esta abordagem lembra outros exemplos de “atirar dinheiro para” problemas como os do SNS ou dos incêndios. Não funciona. É essencial definir bem a questão de partida para elaborar uma estratégia eficaz. Queremos incentivar a leitura ou promover a posse de livros? Queremos que as crianças leiam livros ou apenas os tenham? Se for a segunda opção, o programa está no rumo certo. Se não, precisamos de repensá-lo.

 

A necessidade de inscrição

Mesmo partindo da ideia de oferecer livros, a exigência de inscrição limita o alcance. Se a solução passa por dar, então que se dê diretamente. Inscrever-se, seja online ou presencialmente, implica um esforço adicional que afastará muitos pais. É uma barreira desnecessária.

 

A plataforma de inscrição

A plataforma digital usada não é um exemplo de transição digital. É apenas a conversão de um formulário físico para um formato online. O processo é idêntico: trocar a caneta pelo teclado. Além disso, a obrigatoriedade de preencher campos redundantes – como “Solicita” e “Pretensão”, ou indicar a Unidade Local de Saúde da criança – complica desnecessariamente. Fechei o site e desisti. Resultado: menos dois livros entregues pelo programa.

 

Clareza e comunicação

No site do programa e na página de inscrição, referências a subsídios para recém-nascidos ou processos de adoção confundem a mensagem. Um discurso mais direto e focado seria preferível.

Adicionalmente, a inclusão de apoios como aulas de dança ou desporto adaptado na mesma plataforma sugere que o “Primeiras Páginas” é parte de um programa cultural mais amplo. Mesmo que fosse essa a intenção – e creio que não era – a questão principal permanece: Braga não carece de oferta cultural, mas de público.

 

Público e participação

Frequento semanalmente atividades culturais com as minhas filhas. Há eventos gratuitos e outros a preços simbólicos, mas invariavelmente os lugares estão vazios ou ocupados pelas mesmas famílias. Peças de teatro, horas do conto, atividades ao ar livre – a falta de público é um problema.

 

Transição (não tão) digital

O modelo atual exige que as famílias se inscrevam, mas não devia ser assim. Os dados necessários já estão disponíveis em plataformas públicas como Inovar ou Siga. O programa deveria ser universal e automático, reduzindo o peso burocrático para a Câmara e facilitando o acesso para as famílias. Isso tornaria o programa mais eficaz e acessível, atingindo até os que nunca ouviram falar dele.

 

Conclusão

Como bracarense, aprecio a preocupação com os hábitos de leitura das crianças. A leitura é um portal para novos horizontes e sonhos maiores. Porém, para que a transição para hábitos mais consistentes seja bem-sucedida, é preciso fazer mais, fazer melhor, fazer diferente. Espero que este texto sirva não apenas como crítica, mas também como um contributo construtivo

 

 

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