Cidades inteligentes e autárquicas: o debate político que falta

Todas as cidades gostam de ser vistas como “cidades inteligentes”, procurando desenvolver iniciativas que demonstrem como são avançadas na utilização de novas tecnologias. No entanto, o verdadeiro desafio consiste em compreender a natureza profundamente transformadora do conceito e trazer o tema para o debate político, para que possa ser amadurecido e abordado com a importância que tem para o futuro das nossas cidades.

 

O que é uma cidade inteligente?

O conceito de cidade inteligente é aparentemente simples. Traduz-se em tirar proveito do potencial das tecnologias digitais para, de algum modo, melhorar os serviços urbanos e proporcionar melhor qualidade de vida aos seus cidadãos. Dito assim, pode parecer algo bastante óbvio e consensual. A parte difícil é concretizar a essência dessa transformação em medidas consequentes que sejam uma efetiva mais-valia para os cidadãos.

 

A transformação digital das cidades é um processo político

A ideia da cidade inteligente aparece quase sempre associada à tecnologia. No entanto, a parte verdadeiramente difícil da transformação digital das cidades não é o digital, mas sim a transformação.

A tecnologia abre muitas novas possibilidades, mas não define nenhum caminho para o futuro, nem nos diz quais são os caminhos certos ou errados. Essas são escolhas que têm de ser feitas na esfera política, implicando algum sentido de rumo e frequentemente obrigando a optar entre valores conflitantes. Uma tecnologia qualquer pode ser muito benéfica para quase todos, mas potencialmente muito negativa para alguns, criando riscos de exclusão. Ou então, pode ser negativa para a sociedade em geral, mas muito benéfica para alguns poucos, levando-os a promover ativamente essa tecnologia.

Mesmo na gestão municipal, a verdadeira transformação não é uma digitalização de serviços em que os papeis são substituídos por documentos PDF, mas em que os processos se mantêm inalterados. O essencial é a transição para novos modelos de governação digital, mais ágeis e flexíveis, implicando decisões políticas de reformulação transversal da estrutura orgânica e dos procedimentos municipais.

 

Cidades inteligentes no discurso político

Ainda assim, o tema das cidades inteligentes tem-se mantido afastado do debate público e, ainda mais, da luta política. No geral, os políticos percebem que não podem ignorar este tema e até gostam de se associar a uma imagem de inovação. Contudo, também se sentem pouco seguros em relação a um tema que exige muita transformação, mas para o qual existem ainda poucas referências sólidas.

O resultado tem sido muita movimentação na forma de medidas avulsas centradas na tecnologia e muito pouca ação que seja consequente e verdadeiramente transformadora da competitividade e qualidade de vida das cidades.

 

As cidades inteligentes nas próximas autárquicas

Quando estamos a pouco mais de um ano das próximas autárquicas, este é o momento certo para colocar o tema na discussão política, quer dos partidos, quer dos cidadãos, para que essa grande mudança não ocorra de forma completamente alheada das populações a quem supostamente se destina. Não o fazer será deixar que seja a evolução tecnológica, e em particular os interesses de quem desenvolve tecnologia, a ditar o nosso futuro coletivo.

É, pois, essencial que nas próximas eleições os partidos não abdiquem da sua responsabilidade nesta área e tenham a coragem de apresentar aos eleitores a sua visão política para a transformação digital das suas cidades.

 

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