INFLAÇÃO PARA TOTÓS

Durante muitos anos, no reino de sua majestade, nunca se tinha ouvido falar em inflação. Podia acontecer num ano o preço do pão subir, porque tinha sido um ano mau para a produção de trigo, mas já o preço do vinho baixava, porque o ano tinha sido bom para a produção de uvas, enquanto que o preço das hortaliças e da fruta se mantinha, pois não tinha havido nada de anormal que afectasse a sua produção. Ou seja, os aumentos dos preços de uns bens eram compensados pelas diminuições dos preços de outros.

Mas eis que há dois anos sua majestade decide fazer uma troca de todas as notas e moedas que as pessoas tinham, por notas e moedas muito mais bonitas e modernas. E para incentivar toda a gente a fazer a troca, decidiu dar duas coroas ‘novas’ (é o nome da moeda) por cada coroa ‘antiga’ que as pessoas tinham. Num único dia, toda a gente trocou o dinheiro antigo pelo novo e toda a gente passou a ter o dobro das coroas que tinha – todas as pessoas ficaram com o dobro do dinheiro que tinham. No dia seguinte, quando foram ao mercado fazer compras, toda a gente pensou que ia poder comprar o dobro do pão, do vinho e das hortaliças e das frutas.

Só que... a quantidade de pão, de vinho e de hortaliças não aumentou para o dobro; continuava igual aos dias anteriores. Então o que fizeram as pessoas fazer com o dobro do dinheiro? Guardaram o que obtiveram a mais? Claro que não; o que aconteceu foi que, como todas as pessoas passaram a ter o dobro do dinheiro, e tanto os vendedores como os compradores sabiam disso, imediatamente os preços passaram também para o dobro e tudo ficou na mesma. Aliás, tudo, excepto os preços, que passaram para o dobro. As pessoas passaram a ganhar o dobro das coroas, mas quando iam às compras também gastavam o dobro das coroas.

Bem, todas as pessoas, não. Ao ver que os preços aumentaram para o dobro, sua majestade decidiu não aumentar os ordenados dos seus funcionários, dizendo que se o fizesse, os preços iriam aumentar ainda mais. Consequência? Todos os funcionários de sua majestade ficaram a poder comprar só metade daquilo que compravam, porque ganhavam as mesmas coroas e os preços tinham duplicado. Assim, sua majestade aproveita para cobrar o dobro dos impostos aos seus súbditos (os preços e os rendimentos aumentaram para o dobro, lembram-se?), mas em vez de pagar o dobro dos vencimentos, vai poder esbanjar este aumento de receitas noutras despesas.

A história dos súbditos de sua majestade não acaba aqui. Há um ano, algo de estranho aconteceu fora do reino que levou os preços da electricidade a aumentar imenso. Ora, o vinho e os cereais não precisam de electricidade para serem armazenados, mas as hortaliças e as frutas precisam, o que veio encarecer estes produtos. Foi a vez de os vendedores de hortaliças e frutas aumentarem o preço daquilo que vendem. Mas como as pessoas continuavam com as mesmas coroas, quando iam comprar hortaliças e frutas gastavam mais coroas do que anteriormente, ficando com menos coroas para comprar pão e vinho. O que levou os vendedores de pão e vinho a baixar os preços para poderem vender o que tinham. Ou seja, tal como no início da história, uns preços subiram, outros desceram, mas não houve inflação. Só houve inflação quando sua majestade aumentou a quantidade de dinheiro.

Porém, algumas pessoas que vendem pão e vinho, vendo que pouco ganham ou que até vão ter prejuízo, começam a pensar se não terão que mudar de vida. O mesmo acontecendo com os produtores de hortaliças e fruta que não conseguem aumentar os preços de venda de forma a cobrir o aumento dos custos. E é aqui que pode estar um problema que pode contribuir para mais inflação: não o aumento do preço da electricidade, mas a diminuição daquilo que é produzido. Ou seja, não aumenta a quantidade de coroas, mas diminui a quantidade de produtos que podem ser comprados. Consequência? Aumento dos preços, ou seja, inflação.

E que pode sua majestade fazer para combater a inflação? Obrigar as pessoas a entregar-lhe algumas coroas pode agravar a situação. A alternativa deve passar por diminuir o impacto do aumento do preço da electricidade, atacando o problema na sua origem. Se o aumento do preço da electricidade for de curto prazo, assim que voltar ao seu curso normal, os apoios concedidos são retirados; se o aumento persistir durante alguns anos, pelo menos dá algum tempo para que os produtores dos vários bens possam ir adaptando-se à nova realidade.

Atenção que qualquer semelhança com o que está a acontecer em Portugal é pura coincidência.

Somos uma república e não uma monarquia; em dois anos, a quantidade de dinheiro não duplicou, apenas aumentou 19%; neste ano e no próximo, os preços não duplicam, apenas aumentam 17%; e os funcionários públicos não sofrem um corte de 50% nos vencimentos, apenas de 14%. Ah, e nossa majestade não vai duplicar as receitas dos seus cofres, apenas vai impor o maior aumento de impostos alguma vez visto em toda a história da nossa república.

 

Mário  Joel Queirós, Docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças,

 in ObservadorLynk

21/09/2022

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