Dia Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, o primeiro-ministro de Portugal dirigiu-se aos portugueses transmitindo o “objectivo de reforço do peso dos salários no PIB para a média europeia” acompanhado de um gráfico ilustrativo. Foi esta a mensagem mais importante que o chefe do Governo de Portugal nos trouxe neste dia.
Fig. 1 – O objectivo de António Costa
É impressionante como um simples tweet de 39 palavras demonstra a total incapacidade do nosso primeiro-ministro em ocupar o seu cargo. Vejamos as evidências.
EVIDÊNCIA N. o 1
Um olhar atento encontra uma diferença de terminologia ao compararmos o texto com a ilustração: no texto, António Costa refere-se a “Salários”, enquanto no gráfico refere-se a “Remunerações”. São iguais? Não. Ao consultarmos o Eurostat, reparamos que os valores são diferentes (em milhões de euros):
Salários 2021 |
Remunerações 2021 |
|
Zona Euro |
4 638 610 |
5 934 501 |
Portugal |
80 002 |
103 054 |
EVIDÊNCIA N. o 2
Outra diferença de terminologia entre o texto e o gráfico, situa-se ao nível da zona geográfica com que são comparados os dados de Portugal: Europa (texto) ou Zona Euro (gráfico). A Europa a que o texto se refere, não será com certeza o continente europeu, mas sim a União Europeia, constituída por 27 países; mas a Zona Euro é constituída apenas por 19 países. Em que ficamos?
EVIDÊNCIA N. o 3
Após termos ido verificar os dados junto da fonte, também podemos deitar um terceiro olhar às contas, como por exemplo, tentar perceber a que se refere afinal o quociente estimado pelo primeiro-ministro: Salários ou Remunerações? Bem como à zona geográfica a comparar: União Europeia ou Zona Euro?
Geografia |
Salários 2021 |
Remunerações 2021 |
PIB 2021 |
Salários PIB |
Remunerações PIB |
Zona Euro |
4 638 610 |
5 934 501 |
12 253 898 |
37,9% |
48,4% |
União Europeia |
5 466 764 |
6 900 977 |
14 448 342 |
37,8% |
47,8% |
Portugal |
80 002 |
103 054 |
211 278 |
37,9% |
48,8% |
Em 2021, os valores estão longe de coincidirem com os divulgados por António Costa. Nem o peso dos salários, nem das remunerações são os mesmos. Então, que valor vamos usar para construir o gráfico? Comparemos os restantes anos entre Portugal e a Zona Euro.
Até 2019, o gráfico da direita replica muito bem o gráfico do nosso primeiro-ministro. Mas em 2020 e 2021 temos uma diferença considerável. Portanto, tudo leva a crer que António Costa se refere às remunerações e não aos salários, pelo menos até 2019. Mas os seus dados relativamente aos dois últimos anos estão totalmente errados, pois o peso das remunerações em Portugal já ultrapassou o da Zona Euro: afinal, não precisamos esperar cinco anos, pois já lá chegámos. Os dados relativamente à União Europeia revelam-se sempre inferiores ao da Zonas Euro, pelo não é a estes que António Costa se refere de certeza.
EVIDÊNCIA N. o 4
Olhemos agora para o eixo vertical do gráfico publicado no Twitter. Sofre daquilo que habitualmente se chama “gráfico à PS”. Em vez de começar no zero, começa num valor bem mais alto, para empolar a diferença visual entre as variáveis. Mesmo com os valores errados de António Costa, uma atitude de honestidade intelectual, deveria ter originado a publicação de um gráfico diferente. Comparemos o gráfico de António Costa (esquerda) com um gráfico honesto (direita). Note-se que os valores são exactamente os mesmos.
Agora, a suposta diferença entre a situação portuguesa e da Zona Euro já não parece tão grande, pois não? Não parece tão grande, porque na realidade, é bem pequena (mesmo com os valores errados de António Costa). Os famosos “gráficos à PS”, conseguem enganar uma pessoa menos atenta.
EVIDÊNCIA N. o 5
Já que temos aqui o gráfico da postagem, vamos olhar para os valores junto às duas setas: 17,5% e 20%. A primeira seta parte de um valor de aproximadamente 43,5 e acaba em 46. Temos assim uma subida de 2,5, ou seja 17,5%. Supostamente, 2,5 ÷ 43,5 = 0,175 (17,5%). Pegue o leitor numa máquina de calcular (a do telemóvel, por exemplo) e faça esta conta. Quanto dá? Exactamente: 5,7%. E a seguinte, (48–46)/48 = 4,3% em vez de 20%. Valores totalmente díspares daqueles que António Costa nos apresenta.
EVIDÊNCIAS N.os 6 e 7
Por fim, debrucemo-nos sobre a importância da variável que o nosso primeiro-ministro elegeu como principal objectivo da mensagem no Dia do Trabalhador: o peso das remunerações (ou dos salários, vá-se lá saber qual deles), no PIB. O que será mais importante, as pessoas terem bons salários, ou os salários representarem uma fatia crescente do PIB?
Na Irlanda, o peso das remunerações no PIB foi de 26% e em Portugal foi de 48,8% em 2021. Até a Grécia “está melhor” que a Irlanda, com 36,6%. Desgraçados dos Irlandeses? Que estão muito abaixo de nós, da Grécia e da média europeia? Vejamos:
– Como é possível os irlandeses estarem tão abaixo de nós, e afinal os trabalhadores irlandeses ganharem 2,5 vezes o que ganham os portugueses?
– E como é possível que desde 2016 (ao contrário do que aparenta o gráfico do nosso primeiro-ministro), quase nada nos aproximámos da média europeia?
CONCLUINDO
O post de António Costa tem 39 palavras. Demonstra que não sabe utilizar estatísticas, não sabe fazer contas, substitui dados verídicos por falsos, e define objectivos de política económica que não fazem qualquer sentido. Num texto tão pequeno, foi possível identificar sete erros e/ou fraudes.
ESTUPIDEZ ou DESONESTIDADE?
Ou as duas em simultâneo?
É este homem que vai continuar a governar-nos. Pelo menos, durante mais quatro anos.
Nota: todos os dados foram recolhidos em 1 de Maio, tendo a base de dados sido actualizada pelo Eurostat em 28 de Abril.
VidaEconomica
13 Mai 2022